28 de agosto de 2016

Princípio da proporcionalidade: sub-princípios

  • Princípio da adequação
Apesar de comummente designado na doutrina e aceite pela jurisprudência como princípio da adequação, o Professor Reis Novais prefere referir-se a ele, como princípio da idoneidade ou da aptidão, e significa, ainda nas suas palavras, "que as medidas restritivas da liberdade individual devem ser aptas a realizar o fim prosseguido com a restrição” ou, ainda de forma mais rigorosa, “que aquelas medidas devem, de forma sensível, contribuir para o alcançar”.

Ora, é logo aqui pertinente perguntarmo-nos que fins é que podem, neste domínio, ser prosseguidos? Desde logo, só podem ser prosseguidos fins jurídica e materialmente possíveis e, como a própria Constituição no art. 18.º, n.º 2 refere, que se limitem a «salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». No entanto, por este prisma, o princípio apresentar-se-ia muito abrangente, pelo que, como indica Reis Novais, temos ainda de recorrer à Declaração Universal dos Direitos do Homem, como fonte de interpretação e integração das normas constitucionais sobre direitos fundamentais, e de onde podemos retirar, no seu art. 29.º, n.º 2, que no campo dos fins, só são legítimas as restrições aos direitos fundamentais que, para além de observarem os restantes limites aos limites, se destinem exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. E, portanto, assim delimitado, já pode constituir um parâmetro adequado enquanto fase preliminar do controlo de idoneidade.

Posto isto, nesta fase prévia, a medida restritiva só será liminarmente invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos se revelem indiferentes, inócuos ou até negativos em relação à aproximação do fim visado com a restrição.

Podemos daqui concluir que o controlo de idoneidade assume-se como um controlo ex ante, na medida em que, para que se apure a inconstitucionalidade, é necessário que o responsável pela restrição pudesse ter previsto tal inaptidão no momento em que a decidiu ou a atuou. E que terminará com a ineficácia na obtenção do resultado pretendido.
De acordo com a jurisprudência e doutrina dominantes, a restrição só será inidónea quando, tendo em conta a margem de livre apreciação do legislador democrático, o juiz concluiu ser essa restrição, à partida e de acordo com os conhecimentos empíricos e científicos disponíveis no momento da sua aprovação, totalmente inapta para, de algum modo, contribuir para alcançar o fim por ela visado.

O Professor Reis Novais concorda aliás com a importância dos juízos de prognose feitos no momento em que o autor da restrição representa os seus previsíveis efeitos mas opõe-se a qualquer condescendência para com os poderes públicos responsáveis pela restrição, não apenas a partir da altura em que o juiz comprova a inaptidão da medida restritiva, mas também a partir do momento em que os mesmos poderes públicos poderiam, objetivamente, ter verificado a inidoneidade do meio e, não havendo razões para, num e no outro caso, crer na reversibilidade da situação, devessem tê-lo anulado.
Significa isto que o decurso do tempo pode criar circunstâncias de verificação que determinem que uma medida restritiva cujos efeitos se destinem a perdurar, ainda que não seja considerada inapta no momento da sua criação à luz dos prognósticos feitos com base nos conhecimentos e experiência disponíveis – e, por esse facto, não inconstitucional ex tunc –, se venha a revelar inidónea e, como tal, inconstitucional a partir do momento em que essa verificação foi ou poderia objetivamente ter sido feita.

A SABER:
1) A aptidão deve ser aferida, como sustenta a doutrina germânica no seguimento da jurisprudência do Tribunal Constitucional, bastando-se com uma aproximação sensível, ainda que parcelar, do fim pretendido.

2) A redução do controlo de idoneidade à filtragem das restrições absurdas ou puramente arbitrárias só é aceitável quando possa ser compensada através da consideração dos diferentes graus de aptidão ou idoneidade da medida restritiva nas fases posteriores do controlo. De facto, o grau de realização induzido pela medida restritiva extravasa, por opção metodológica, o controlo de idoneidade, mas não deixará de ser tido em conta nos controlos de indispensabilidade e de proporcionalidade.
De um lado, a consideração da medida em que uma restrição contribui para alcançar o fim adquirirá toda a relevância quando se trate de saber se o poder público dispunha de medida menos restritiva capaz de proporcionar o mesmo grau de realização do fim proposto;
Por outro lado, os fatores referentes ao grau ou intensidade de realização do fim relevam, necessariamente, quando se compara o benefício alcançado e o sacrifício imposto pela restrição e, designadamente, quando se pondera a constelação em apreço com constelações alternativas em que aqueles termos sofressem variações.

  • Princípio da indispensabilidade ou do meio menos restritivo
Prosseguindo no estudo, chegamos ao princípio da necessidade ou da indispensabilidade. Este princípio impõe que se recorra, para atingir o fim constitucionalmente legítimo, ao meio necessário, exigível ou indispensável, no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir o fim em vista.
Quanto a este princípio, o que está em causa é verificar se não haverá, relativamente ao meio efetivamente escolhido, um outro meio que sendo, em princípio, tão eficaz ou idóneo como aquele que atinge o fim, seja, todavia, sensivelmente menos agressivo.
Este grau de desnecessidade da agressão irá apurar-se através da análise comparativa quanto aos prejuízos provocados pelas medidas restritivas, através de uma avaliação em função dos seus efeitos materiais, espaciais, temporais ou pessoais e tendo em conta, não apenas o direito fundamental diretamente atingido, como qualquer outra afetação desvantajosa da liberdade, dos direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente relevantes do mesmo titular ou de outros.
Na fórmula consagrada de FLEINER – não se deve utilizar um canhão para atirar a pardais – exprime-se, precisamente, essa ideia de evitar danos desnecessários, não exigíveis pela realização do fim. Se se puder fazer a prova da existência de um meio alternativo menos restritivo ou agressivo que o utilizado, então o meio efetivamente escolhido será excessivo e, como tal, inconstitucional por violação do princípio da proibição do excesso e, mais especificamente, do princípio da indispensabilidade ou da obrigação de recorrer ao meio mais suave para atingir o fim.
Com idêntico sentido, será inconstitucional a medida restritiva que, embora legítima em relação ao fim prosseguido, provoque efeitos mais restritivos da liberdade que as medidas atualmente em aplicação sem garantir, concomitantemente, um acréscimo sensível de eficácia na realização desse fim.
Em caso de restrição a direitos fundamentais, com a opção por um meio igualmente idóneo, mas menos restritivo, os interessados na prossecução do interesse público que justifica a restrição não ficam pior – já que o fim público é alcançado com o mesmo grau de eficácia – e, pelo menos, o afetado melhora a sua posição relativa.

O controlo da exigibilidade tem de estar subordinado às seguintes linhas de orientação: em primeiro lugar, pressupõe-se a possibilidade de determinar rigorosa e precisamente o fim ou fins prosseguidos com a restrição; em segundo, pressupõe-se a idoneidade dos meios em comparação; em terceiro lugar, pressupõe-se a igual aptidão desses meios na realização do fim ou fins pré-determinados.
Se o controlo da idoneidade dos meios disponíveis, tomado a se, se pode efetivar de forma objetiva, já a avaliação do grau de aptidão ou idoneidade de cada um desses meios no âmbito de um controlo de indispensabilidade se revela muito mais complexa. Não apenas porque raramente dois meios revelam, de forma evidente, um preciso grau de aptidão em termos de se poder concluir pela sua equivalência, mas também porque uma variação no grau de realização do fim prosseguido será normalmente acompanhada de variações correspondentes nos efeitos restritivos de liberdade por eles provocados.
Na prática acaba por remeter inevitavelmente para juízos decisivos de valoração e de ponderação. Na generalidade dos casos, tratar-se-á de ponderar se, para atingir um dado fim, ao meio A é de preferir o meio B que, sendo embora mais restritivo que aquele, tem um maior grau de eficácia na realização do fim ou, ainda, se se deve optar pelo meio C, menos agressivo que A, mas também menos eficaz que este.
A solução aparente ser evidente quando um abrandamento praticamente insensível na eficácia de consecução do fim é acompanhado de uma redução significativa dos efeitos restritivos, quando, por exemplo, numa escala de eficácia e de efeitos restritivos de zero a dez, o meio A apresenta um grau oito de realização do fim e efeitos restritivos de grau dez, enquanto que o meio B tem sete de eficácia e três de agressividade. Aí, independentemente da qualificação do meio A como desnecessário, desproporcionado ou excessivo, a opção por B parece óbvia. Porém, a situação pode ser muito mais complexa; por exemplo, as alternativas podem consistir num meio A com quatro de eficácia e três de efeitos restritivos; no meio B, com nove de eficácia e sete de efeitos restritivos; e no meio C, com dois de eficácia e dois de efeitos restritivos.
Para além disso, na apreciação de cada um destes vetores tem de se atender à sensibilidade subjetiva dos próprios interessados. Assim, aquilo que, normal e objetivamente, pode ser considerado um meio menos restritivo pode, do ponto de vista do afetado, ser sentido como meio mais gravoso. Por outro lado, a medida mais suave para algum ou alguns dos lesados  pode constituir a solução mais agressiva para os legítimos interesses de outro grupo de afetados, tal como, inversamente, a maior danosidade de uma medida pode ser compensada pelo facto de, para outro grupo de interessados ela revestir uma natureza prestacional e não ablativa.
Ora, nestes casos, a opção só pode basear-se em avaliações complexas em que, de acordo com as circunstâncias mutuáveis de cada caso, se comparam utilidades, se elegem os interesses de liberdade que se consideram determinantes e se privilegia o plano da eficácia ou o dos efeitos restritivos na liberdade, o da apreciação objetiva ou o da própria sensibilidade dos interessados, mas sempre em termos de escolhas de intersubjetividade dificilmente demonstrável. Mais, no controlo da indispensabilidade trata-se de verificar se essa escolha é inconstitucional, por não exigível, quando comparada com as constelações disponíveis alternativas.

Na chamada versão fraca da alternativa menos restritiva, ou seja, aquela em que a possibilidade de recurso a meio mais suave sem perda de eficácia revela, sem necessidade de qualquer juízo de ponderação de bens, o caráter gratuito e, por isso excessivo da restrição, o juiz pode racionalmente demonstrar que seria possível ao legislador recorrer a um meio menos restritivo e tão eficaz na prossecução do fim como aquele que foi efetivamente escolhido.
Mas, já na maior parte das situações em que a questão do meio restritivo mais suave se suscita o apuramento do excesso é mais complexo. De facto, é quase sempre possível invocar a possibilidade de utilização de um meio menos restritivo desde que o Estado condescenda em perder alguma eficácia na realização do fim. Ora, quando se trata de comparar o meio efetivamente utilizado com alternativas em que a redução de agressividade seja acompanhada de diminuição de eficiência na prossecução do fim, ou seja, quando se está a valorar um incremento marginal de liberdade individual obtido só através de uma diminuição de eficácia, o tribunal entra num domínio em que os seus juízos de valor incidem sobre alternativas qualitativas e aí concorrem com os juízos eventualmente divergentes realizados pelo poder político.
Trata-se fundamentalmente, aí, de ponderar alternativas de restrição em que variam quer o grau de eficiência na realização do fim quer a dimensão do prejuízo infligido à liberdade individual. Nessa altura, o juízo de indispensabilidade tem de considerar bens como a importância relativa do interesse de liberdade individual e do fim estatal na perspetiva das diferenças marginais, positivas e negativas, proporcionadas pelas alternativas em apreço, incluindo, eventualmente, as diferenças dos seus custos e das suas implicações orçamentais, o que remete, diretamente, para a questão dos limites funcionais de legislador e juiz e da correspondente especial perícia ou habilitação que cada um deles pode oferecer neste tipo de decisão.
Assim, grande parte da doutrina tende a reduzir a aplicabilidade do controlo de indispensabilidade aos casos reconduzíveis a uma comparação objetiva entre meios igualmente idóneos na prossecução de um fim indiscutível e em que a graduação dos efeitos restritivos é empiricamente realizável com base nos dados fácticos em presença. Dessa forma, o controlo de indispensabilidade teria, em geral, um sentido de aplicabilidade não controversa, já que só existiria inconstitucionalidade por violação da indispensabilidade do meio sempre que fosse possível apresentar um outro meio tão ou mais eficaz que o meio efetivamente escolhido e que provocasse menores danos na liberdade individual.
Para Jorge Reis Novais, de facto, excluindo do controlo de indispensabilidade todas as situações em que há diferenças no grau de eficácia dos diferentes meios disponíveis, esta doutrina acaba por remeter para outra sede, designadamente o controlo da proporcionalidade em sentido restrito, a avaliação de praticamente todos os casos difíceis, com o que não resolve o problema, mas apenas o adia e com a desvantagem suplementar de obscurecimento do posterior controlo de proporcionalidade.

O critério da indispensabilidade baseia-se numa comparação e opção entre meios condicionada pela comparação dos respetivos efeitos restritivos. Na prática e na generalidade dos chamados casos difíceis, quer um quer outro princípio só desenvolvem todas as suas virtualidades enquanto limites aos limites dos direitos fundamentais mediante uma aplicação combinada e integrada de comparação/ponderação de alternativas.
De resto, mesmo limitando o controlo de indispensabilidade às situações em que os meios em apreciação são igualmente idóneos para atingir o fim, ainda assim, pelo menos entre nós, não seria adequado prescindir de quaisquer juízos de valoração e ponderação.
Com efeito, o juiz constitucional terá, pelo menos, de ponderar o que é preferível do ponto de vista da garantia dos valores constitucionais: invalidar a medida excessiva, mesmo sabendo que dessa forma se anula, por algum tempo, toda e qualquer possibilidade de prossecução necessária de um fim legítimo, ou, considerando a eficácia na realização de um fim que, apesar do seu caráter excessivo e, logo, da sua inconstitucionalidade, a medida em apreço de alguma forma garante, optar pela sua manutenção em vigor. Nesta ponderação, o juiz constitucional não deixará de revelar fatores como a gravidade da restrição, o ganho em liberdade que a medida alternativa eventualmente proporcionaria ou a importância da consecução do fim em causa, o que, reduz inevitavelmente o grau de objetividade potencialmente inscrito neste tipo de controlo.

  • Princípio da proporcionalidade
Chegados ao princípio da proporcionalidade, como dispõe Reis Novais no seu livro dos «Princípios (…)», o que se trata aqui é de “indagar acerca da adequação (proporção) de uma relação entre dois termos ou entre duas grandezas variáveis e comparáveis”.
Ou seja, quando avaliamos a proporcionalidade de uma restrição a um direito fundamental, o que estamos a avaliar é a relação entre o bem que se pretende proteger ou prosseguir com a restrição e o bem jusfundamentalmente protegido que resulta, em consequência, desvantajosamente afetado.
Aqui, no controlo da proporcionalidade, e como é sustentado pela doutrina e jurisprudência, temos que apurar se o meio restritivo escolhido não é desproporcionado. Portanto, o meio restritivo escolhido, pressuposto, pelos anteriores controlos que seja apto e indispensável, só tem que ser não desproporcional.
E, portanto, quaisquer juízos, seja positivo ou negativo, que se faça acerca do princípio da proporcionalidade estão dependentes da verificação da medida em que essa relação é avaliada como sendo justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspetiva e, dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, na medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável.

Perante vários meios de igual restrição e não desproporcionados, deverá ser o poder constituinte autor da restrição a escolher qual considera mais adequado. Desde logo, porque o órgão jurisdicional já garantiu, através dos outros controlos, não haver outros meios menos restritivos e, porque, nesse caso, os poderes constituídos seriam desapossados de qualquer margem de livre decisão. O que se deve manter indisponível são os direitos fundamentais, pelo que a decisão de restrição, essa sim, é sindicável em toda a extensão e com toda a intensidade.

Pegando num exemplo dado por Reis Novais, imaginemos um conflito entre a liberdade de imprensa e a intimidade pessoal, de onde resulta uma lei restritiva de um ou de ambos os direitos fundamentais. Aqui, o que vai ser sujeito ao controlo de proporcionalidade não será a relação entre os dois bens em questão, designadamente, a liberdade de imprensa e a reserva de intimidade pessoal, mas tratar-se-á de avaliar se o prejuízo ou sacrifício imposto, por exemplo, à liberdade de imprensa – pela proibição de publicação de uma fotografia, pela aplicação de uma coima, pela suspensão do jornal, etc. – não será desproporcionado em relação ao benefício que se espera obter.
Ora, o que aqui estamos a fazer, é apreciar o desvalor do sacrifício imposto à liberdade quando comparado com o valor do bem que se pretende atingir, e termos que ter aqui em consideração para uma devida valoração dos dados circunstanciais de facto, tanto a intensidade da afetação como o tempo durante o qual eles são afetados.

Ora, como podemos aqui ver, enquanto que os outros controlos possuem requisitos com um mínimo de objetividade, já na apreciação da proporcionalidade, os critérios de julgamento ou pontos de apoio resultam de uma interpretação e valoração subjetiva que é feita em relação à importância ou ao peso dos valores constitucionais e dos bens jurídicos em causa. E, portanto, o que para um julgador é inadequado ou intolerável, para outro pode ser justo.
No entanto, apesar dessas debilidades, o recurso ao controlo da proporcionalidade é indispensável, uma vez que os anteriores controlos, só por si, não são suficientes para esgotar todo o âmbito de garantias potencialmente proporcionadas pelo princípio da proibição do excesso.
Num exemplo dado por Reis Novais, temos uma criança que furta fruta do pomar do vizinho, e o vizinho não dispõe de outro meio para travar o furto, a não ser disparar. Ora, não havendo outro meio que não fosse disparar sobre a criança, podemos afirmar que tal acto seria apto para atingir o fim e indispensável para evitar o furto. Mas, mesmo assim, necessitaríamos de recorrer ao princípio da proporcionalidade para determinar que essa medida é claramente excessiva, já que o sacrifício imposto era evidentemente desproporcionado face ao fim visado, seja ele o de punir, de prevenir ou de dissuadir.

Para aqui terminar, resta apenas referir que, com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, a doutrina tende a seleccionar como critérios orientadores da intensidade do controlo de proporcionalidade: a gravidade da restrição e a importância e a premência dos interesses que justificam a restrição, bem como a relevância dos interesses de liberdade protegidos pelo direito fundamental restringido.
E, nestes termos, existirá inconstitucionalidade se a restrição for desproporcionada. No entanto, se existir um outro meio que, no entender do órgão de controlo, não seja menos restritivo, mas simplesmente mais adequado ou mais oportuno já não haverá inconstitucionalidade – mas esse já é um juízo essencialmente político que extravasa os limites do princípio jurídico-constitucional da proibição do excesso das restrições aos direitos fundamentais.

  • Princípio da razoabilidade
No seguimento do estudo acerca dos princípios, surge-nos ainda o princípio da razoabilidade, e que pode ser entendido de duas formas.
Por um lado, ele surge associado ao princípio da proporcionalidade tanto no seu sentido amplo como no estrito. E nesses termos, haveria desproporcionalidade sempre que a relação entre a gravidade do sacrifício imposto e a relevância das razões que o justificavam fosse desrazoável.
Mas, por outro lado, é-lhe atribuído um outro significado, que já é autónomo à garantia da proibição do excesso, e que é o que aqui devemos ter em consideração. E diz ele respeito à avaliação da razoabilidade da imposição, do dever ou da obrigação da liberdade somente na perspectiva das suas consequências na esfera pessoal daquele que é desvantajosamente afetado.
Isto significa que uma restrição da liberdade mesmo que seja adequada ou proporcional quando se tem em conta a gravidade do sacrifício imposto pode representar à mesma e por si só, uma afetação inadmissível ou intolerável do ponto de vista de quem a sofre e por razões essencialmente subjetivas. Basta que a medida em causa coloque os afetados, ou algum deles, numa situação quantitativa ou qualitativamente desrazoável à luz dos ditames da proteção da liberdade e autonomia individual e do relacionamento Estado/cidadão em Estado de Direito.

O Prof. Reis Novais utiliza no seu livro dos “princípios” alguns exemplos de que decidi destacar um para melhor compreensão do que acabei de dizer. E passa-se da seguinte forma. Imaginemos que é atribuído um benefício fiscal a determinada confissão religiosa ou até uma hipotética imposição aos contribuintes de destinarem, para fins de beneficiência, 0,5% dos seus impostos à subvenção da confissão religiosa. Ora, analisando esta norma, o sacrifício imposto de 0,5% dos impostos dos contribuintes face às razões que o justificam de financiamento de instituições com alguma dificuldade de auto-suficiência, não parece ser desproporcionada tendo em conta os interesses em jogo, até porque se revela insignificante quanto aos reflexos na esfera patrimonial dos obrigados. E, do ponto de vista quantitativo não parece ser desrazoável. No entanto, se olharmos para a situação do ponto de vista qualitativo em que alguns contribuintes são colocados, uma vez que se vêm forçados, por força daquelas normas, a financiar instituições ou credores que são estranhos ou de cuja atividade, eventualmente, discordam, como afirma Reis Novais, já não parece que tal imposição seja razoável num Estado de Direito que tanto garante a liberdade de ter como a de não ter religião.

Posto isto, podemos para concluir que o controlo da razoabilidade concentra-se na gravidade, qualitativa ou quantitativa, que a medida restritiva provoca na esfera do(s) afetado(s). Centra-se no sujeito afetado. E aqui, haverá inconstitucionalidade sempre que a quantidade ou a qualidade dos encargos impostos excede o que é legitimamente tolerável pela liberdade e autonomia pessoal em Estado de Direito, independentemente de ser adequada a relação de meio-fim sobre o qual incide o limite da proporcionalidade das restrições fundamentais. Assim, no controlo da razoabilidade já não é a adequação da relação entre bens que é averiguada, mas sim a razoabilidade da relação entre um dever de direito público e a pessoa do obrigado.

A SABER:
1) Não se pode pretender reduzir este tipo de situações (de controlo de razoabilidade) a eventuais violações do princípio da dignidade da pessoa humana, já que uma medida restritiva ou agressiva pode ser desrazoável sem que, simultaneamente, atinja o ponto extremo de constituir uma violação daquele princípio. Nesse sentido, o controlo da razoabilidade cobre todo um conjunto de situações correntes que, todavia, não chegam a afetar a dignidade pessoal dos afetados.

2) Existe no controlo da razoabilidade, um modo individualizador de apreciação: uma norma que, em abstrato, pode ser tida como razoável, é suscetível de uma aplicação excessiva, desrazoável, na medida em que a exigência ou o encargo que se impõe a alguém surja, nesse específico contexto, como excessivo, demasiado grave ou injusto. Nesse sentido, o controlo da razoabilidade tanto pode ser aplicado à lei restritiva na projeção das suas possíveis aplicações, como às intervenções restritivas individuais e concretas propriamente ditas. No entanto, no controlo da proporcionalidade também pode operar segundo uma perspetiva geral e abstrata, dirigida ao controlo das opções do legislador, como segundo uma perspetiva concreta e individual quando orientada para o controlo das intervenções restritivas atuadas pela Administração ou pelo juiz do caso concreto.

3) Como o juízo de razoabilidade não é intrinsecamente dotado de necessidade lógica, o apuramento do excesso ou irrazoabilidade da medida restritiva é sempre relativo, flexível, dependente dos argumentos invocáveis na situação concreta, real ou imaginada, em apreço.
Nesse sentido, o juízo de razoabilidade nunca é completamente alheio e daí que não dispensa a necessidade de eventuais ponderações dos interesses relevantes no caso concreto, ponderações essas que lhe conferem pontos de aproximação relativamente a este último tipo de controlo.

  • Princípio da determinabilidade (na dimensão de proibição do excesso)
Não menos importante que os anteriores, temos de estar sempre conscientes em toda a dimensão da proibição do excesso, enquanto limite à restrição dos direitos fundamentais, que vigora o princípio da determinabilidade e da reserva de lei. Este princípio advém da necessidade do alcance e da medida das restrições deverem estar determinados com suficiente precisão e previsibilidade no seu conteúdo e efeitos.
Seja por advir de princípios próprios da segurança jurídica ou da proteção da confiança, seja por assumir-se como pressuposto de uma relação equilibrada entre o Estado e o cidadão, quanto ao que ao princípio da proibição do excesso diz respeito, constitui um seu elemento uma vez que uma restrição em que os seus contornos não se encontram previamente bem definidos, estamos a alargar potencialmente a margem de atuação restritiva dos poderes constituídos. E isto acaba por gerar efeitos inibitórios no lado do exercício das liberdades.

Em termos práticos, uma restrição em que o seu conteúdo é vago ou que não esteja precisamente determinado, abre de imediato a possibilidade a intervenções restritivas que podem ir para além daquilo que é estritamente exigido pela salvaguarda dos bens dignos de proteção que justificava a restrição, como pode, também, afetar o exercício de atividades constitucionalmente protegidas.
Assim sendo, isto poderia levar a que o destinatário da lei receando não estar referido com suficiente rigor o objetivo ou o sentido da proibição, a sua tendência natural seria a de se auto-restringir nos comportamentos que possam ter alguns pontos de contato com as atividades proibidas. E esta inibição excessiva quanto ao exercício das liberdades apresentar-se-ia como inconstitucional.

Em suma, podemos dizer que a restrição deve ser estrita, clara e precisamente enunciada, de modo a que o cidadão possa conhecer o sentido e o alcance da lei e, consequentemente, consiga prever com alguma probabilidade qual o tipo de intervenções restritivas que a Administração pode tomar e até onde ela pode ir.

A SABER:
1) A exigência de determinabilidade, clareza e suficiente densidade das normas legais e, em particular, das normas restritivas:
    - é fator de garantia da proteção da confiança e da segurança jurídica (o cidadão só pode conformar autonomamente os próprios planos de vida se souber com o que pode contar, qual a margem de ação que lhe está garantida, o que pode legitimamente esperar das eventuais intervenções do Estado na esfera pessoal.
    - tem dimensão competencial ligada à reserva de lei e ao princípio democrático (uma limitação ou possibilidade de limitação da liberdade individual não suficientemente determinada transfere do legislador para outras instâncias, maxime, a Administração, a fixação concreta do essencial sentido, grau e alcance reconhecidos às possibilidades de intervenção ablativa na liberdade individual dos cidadãos.
    - reflete-se no plano da sindicabilidade judicial e na incerteza quanto à intensidade do respetivo controlo (na ausência de pressupostos legais bem definidos para a atuação administrativa, a previsibilidade quanto à intensidade do respetivo controlo judicial dilui-se proporcionalmente à consequente plasticidade dos parâmetros de controlo a que o juiz pode recorrer).

2) Não significa que à Administração deva ser negado qualquer discricionariedade ou margem de livre decisão no domínio dos direitos fundamentais, mas que, proporcionalmente à relevância das matérias em causa, à intensidade da afetação da liberdade e em função das circunstâncias concretas da previsível aplicação da lei restritiva, o que remete igualmente para o recurso à ponderação de bens, a restrição deve ser, tanto na previsão normativa quanto nas consequências jurídicas, estrita, clara e precisamente enunciada, de forma a que o cidadão possa conhecer o sentido e alcance da lei e, consequentemente, prever com progressiva probabilidade que tipo de intervenções restritivas pode a Administração levar a cabo e até onde ela pode ir.

3) Do facto de a indeterminabilidade da norma remeter objetivamente para os aplicadores do Direito o essencial da determinação do seu conteúdo efetivo resulta, tendencialmente, uma ameaça para os grupos minoritários, impopulares ou perseguidos. Com efeito, sujeitos à pressão, muitas das vezes avassaladora, da opinião pública anti-minorias, os aplicadores do Direito, habilitados pela indeterminação da lei a uma opção praticamente discricionária sobre o que entendem ser exercício da liberdade jusfundamentalmente protegido, tendem a fazer uma densificação normativa de caráter mais restritivo, até porque, na ausência de preceitos normativos garantistas, claros e precisos, não dispõem de qualquer tampão contra a pressão popular maioritária. Assim, a indeterminação da lei acaba por abrigar, também, uma possibilidade de aplicação discriminatória da lei, mesmo quando não era essa a sua intenção originária.

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