2 de fevereiro de 2017

Princípios gerais e privativos do Direito Executivo


v  Princípios gerais
       O processo civil rege-se por vários princípios arrumados nas categorias de princípios estruturantes e princípios instrumentais: aqueles necessariamente presentes, impostos pela Constituição, estes eventualmente consagrados, dependentes do legislador ordinário.
 
            - Estruturantes
        São estruturantes ou necessários os seguintes princípios:
            ∙ princípio da igualdade das partes
Vigora em sede executiva o art. 4. nCPC que enuncia “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes”.
            ∙ princípio do contraditório
Dita que o processo executivo é um processo que se desenvolve em comparticipação entre exequente e executado[1]. Tem como exceção ou moderação a possibilidade de atos executivos – a penhora – sem audição prévia do executado nos casos previstos no art. 550.º, n.º 2 nCPC.
            ∙ princípio da legalidade da decisão
Vale tanto para os despachos do juiz da execução como para as decisões do agente de execução. Um e outro devem, em regra, decidir segundo a lei, pelo que deverão na fundamentação de direito “indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes” (art. 607.º, n.º 3 nCPC). No entanto, conhece alguns limites nos juízos de equidade.
            ∙ princípio da publicidade
Os atos do processo executivo não são secretos. Vale a regra geral do art. 163.º, n.º 1 nCPC de que o “processo civil é público, salvas as restrições previstas na lei”. Visto o processo ser essencialmente eletrónico (cfr. art. 712.º nCPC), a publicidade assegura ao interessado que possa consultar informaticamente o processo. No entanto, paradoxalmente, nos anos recentes, a existência de dois sistemas eletrónicos – o CITIUS do Estado e o SISAAE dos Agentes de Execução – leva a que os atos processuais se achem divididos em dois.
            ∙ princípio da prevalência funcional
Cada ato é devido ou admissível se apresentar-se justificado para a finalidade executiva, sob pena de inutilidade, nos termos do art. 132.º nCPC. Além disso, o ato terá a forma mais adequada à função, conforme o art. 131.º nCPC. É este princípio que fundamenta que possa dar-se a ocorrência de penhora antes da citação do demandado e da forma sumária dos arts. 550.º, n.º 2 e 856.º, n.º 1 nCPC. Trata-se de um típico fenómeno de sumarização do procedimento, i.e., de restrição razoável e proporcional às garantias processuais em favor da celeridade necessária à eficácia concreta do processo.

          - Instrumentais
         São instrumentais ou eventuais:
            ∙ princípio do dispositivo
O processo civil é um processo assente na disponibilidade das partes sobre a instância. Cabe ao credor dar o impulso processual pelo requerimento executivo (cfr. art. 724.º nCPC).
            ∙ princípio da oficialidade
Ao se exercerem na ação executiva poderes de autoridade do Estado, ela apresenta-se com fortes traços de oficialidade, pois incumbe ao agente de execução praticar, sem necessidade de requerimento de parte, os atos necessários à execução que sejam da sua competência, como a citação, a penhora, a venda e o pagamento (cfr. arts. 719.º, n.º 1 e 6.º, n.º 1 nCPC, por interpretação extensiva).
            ∙ princípio do inquisitório e da oficiosidade
A execução é ainda um processo fortemente sujeito ao princípio da legalidade ou pré-determinação legal do procedimento. Na verdade, não podem as partes determinar a sequência processual executiva, pois essa é ditada pelo título executivo, e o juiz apenas o pode no uso do princípio da adequação formal, de expressão prática muito reduzida (cfr. art. 547.º nCPC).
Além disso, as partes não podem apresentar títulos executivos que não sejam os previstos no art. 703.º nCPC ou com menos requisitos que os exigidos.
            ∙ princípio da cooperação
O princípio geral da cooperação entre partes e tribunal (cfr. art. 7.º nCPC), traduz-se num dever de litigância de boa fé do art. 8.º nCPC, cuja violação pode levar a responsabilidade civil por litigância de má fé (cfr. art. 542.º nCPC). Não somente rege o regime comum da litigância de má fé como, ainda, estão previstos regimes cominatórios específicos por litigância de má fé[2].
Ainda o mesmo princípio de cooperação impõe ao tribunal um dever de prevenção corporizado no despacho de aperfeiçoamento nos termos do art. 726.º, n.º 4 nCPC, ao agente de execução o dever de informar o exequente de todas as diligências efetuadas, assim como do motivo da frustração da penhora (cfr. art. 754.º, n.º 1, al. a), nCPC) e ao executado ou terceiro o dever de apresentação da coisa penhorada, sob pena de litigância de má fé e responsabilidade criminal (art. 767.º, n.º 2 nCPC).
            ∙ princípio da preclusão e auto-responsabilidade das partes
Por ser um processo sujeito ao princípio dispositivo, as partes têm o ónus de realizar os atos processuais num certo momento do processo e num certo prazo sob pena de caducidade ou preclusão, respetivamente.
            ∙ princípio da legalidade das formas.

v  Princípios privativos
Podem isolar-se princípios privativos à ação executiva?
Teixeira de Sousa aponta-lhe “características essenciais”; além da especialização, fala na formalização: a execução corre baseada num único documento, que é o título executivo (cfr. art. 10.º, n.º 5 nCPC). Aponta ainda a coação: ao ser um momento de exercício do ius imperii, podem ser impostas medidas de coação ao executado e aos terceiros que não colaborem com a realização coativa da prestação[3].
Alguns autores assinalam como identitário da ação executiva o que designam como favor creditoris: a execução seria um processo sem igualdade material de fundo entre credor exequente e devedor executado, prevalecendo a posição daquele sobre a deste.
Este favor creditoris decorre do próprio postulado intrínseco da execução: a parte ativa, não pretende ter um direito, mas exerce já um direito, demonstrado no título executivo. Neste sentido, a execução é do e para o credor.
Em todo o caso, o favorecimento material da parte ativa não é exclusivo da execução: também no processo declarativo a simples circunstância de o autor poder escolher o tempo, termos e objeto da ação o favorecem.
Um outro “princípio” é o da patrimonialidade da execução: o objeto dos atos executivos são sempre situações jurídicas ativas patrimoniais no domínio do devedor, ou coisa corpórea ou prestações de facto[4]. A patrimonialidade é o princípio enunciado no art. 817.º CC e nos arts. 827.º a 829.º CC.
Finalmente, ainda que seja patrimonial no seu objeto, a execução deve ser, no seu âmbito, proporcional.
A execução traduz-se essencialmente numa restrição à posse sobre a coisa ou ao exercício de direitos privados e, mesmo, em ineficácia de atos dispositivos. Por isso, os atos executivos de penhora e de apreensão de coisas e os ulteriores atos de venda ou de entrega apenas devem ser os estritamente adequados a satisfazer a pretensão do autor e as acessórias pretensões de custas (cfr. art.s 735.º, n.º 3, 813.º, n.º 1 e 751.º, n.º 2 nCPC).
Estamos perante características isoladas das normas ou perante verdadeiros princípios?
Um princípio apresentar um valor normativo diretivo que permita resolver dúvidas interpretativas e lacunas de normas concretas. Ou seja, na dúvida normativa devem prevalecer os valores legislativos ou rationes ínsitos ao princípio.
O favor creditoris, a proporcionalidade e a patrimonialidade são, assim, princípios. Também a formalização, entendida como dependência da execução da existência e eficácia de um documento – o título executivo – de modo que os seus limites e objeto se medem por este, é um princípio.
A coação é comum a várias normas concretas mas não é um princípio. O seu caráter gravoso e de ius imperii não permite expansões normativas para além das soluções positivadas.
Enfim, a especialização é comum a qualquer ação, em face do caráter comum dos arts. 130.º e 131.º nCPC e é uma faceta do princípio da prevalência funcional, não sendo aliás absoluta.


[1] Assim, ao requerimento executivo do exequente (cfr. art. 724.º nCPC) pode o executado opor a sua defesa por meio de oposição à execução (cfr. art. 728.º nCPC).
[2] É o caso do disposto no art. 750.º, n.º 1, segunda parte, nCPC: o executado tem o dever jurídico-processual de indicar bens à penhora quando notificado para isso, sob pena de cominação (sanção pecuniária compulsória por omissão de indicação de bens à penhora, posteriormente descobertos). O mesmo sucede no art. 858.º nCPC relativamente ao exequente.
[3] Essas medidas são muito diversas: multas, indemnização, execução de quantias não depositadas, sanção pecuniária compulsória, arresto de bens.
[4] Os bens de personalidade, como a integridade física e a liberdade não são objeto da ingerência executiva.


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