31 de janeiro de 2017

Contrato a favor de terceiro


"Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de proteção legal, a obrigação de efetuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente o contraente a quem a promessa é feita.

Art. 443.º, n.º 1 CC



       Neste contrato, uma das partes (o promitente) assume, perante a outra (promissário), uma obrigação de prestar a uma pessoa estranha ao negócio (o terceiro), a qual adquire um direito à prestação. Este tipo de contrato faz nascer automaticamente um direito para o terceiro, o qual se constitui independentemente da aceitação deste (art. 444.º, n.º 1 CC), sendo nessa medida uma exceção ao regime da ineficácia dos contratos em relação a terceiros (art. 406.º, n.º 2 CC). A lei seguiu aqui a dominante teoria do incremento, nos termos da qual a aquisição do terceiro verifica-se imediatamente em virtude do contrato celebrado entre o promitente e o promissário, dispensando-se qualquer outra declaração negocial para esse efeito. Foram, assim, rejeitadas a teoria da aceitação que entendia que a aquisição do terceiro só se processava quando ele manifestava a sua concordância ao promissário e a teoria da cessão que considerava que a aquisição do terceiro como uma aquisição derivada a partir do promissário, que apareceria como aquirente primário do direito.



       § 1.º Âmbito

       O contrato a favor de terceiro tem aplicações significativas na área dos seguros (por ex.: na área dos seguros), no domínio dos transportes (ex.: o transportador obriga-se perante o expedidor a providenciar a deslocação de pessoas ou de bens de um local para outro), no caso das doações com encargos (ex.: alguém doa determinados bens com o encargo, para o destinatário, de pagar uma pensão a um terceiro), no campo das garantias (ex.: o promitente obriga-se, perante o promissário, a garantir uma dívida de terceiro, o que pode consistir numa hipoteca, num penhor ou numa garantia pessoal), ou no campo parassocial.



       O contrato a favor de terceiro permite às partes alcançar os seguintes efeitos, patentes no art. 443.º, n.º 2 CC:

       · remissivos de dívidas;

       · transmissivos de dívidas;

       ·constitutivos, modificativos, transmissivos ou extintivos de direitos reais.



       Da celebração deste contrato, surgem três relações jurídicas:

       · uma relação básica ou de cobertura entre as partes no contrato (promitente e promissário) – em que se estabelecem as posições relativas do promitente e do promissário, as prestações que devem ser trocadas entre as partes, bem como o seu regime, e a prestação que o promitente deva fazer ao terceiro;

       · uma relação de atribuição ou de valuta entre o promitente e o terceiro – onde se fixa o direito do terceiro à prestação e quaisquer condicionalismos que a rodeiem, e onde o terceiro adquire o direito à prestação independentemente de ter dado o seu acordo (art. 444.º, n.º 1 CC). Atenção que a relação de atribuição depende da perfeição da relação básica (art. 449.º CC);

       · uma relação de execução entre o promissário e o terceiro



       § 2.º Regime geral

       * Posição do promissário

       O promissário é a pessoa perante a qual o promitente assume a obrigação de prestar a terceiro. Contudo, é necessário que tenha, na promessa, um interesse digno de proteção legal, como determina o art. 443.º, n.º 1 CC. Mas esse interesse não tem de ser patrimonial e a relação básica deve ter juridicidade; quer isto dizer que, excluindo-se as situações de pura obsequiosidade, os contratos a favor de terceiro são possíveis e válidos, ao abrigo da autonomia privada (ex.: admite-se, inclusive, interesses estéticos, inconfessáveis, desde que não haja ilegalidade ou atentado aos bons costumes).



       O promissário tem as seguintes pretensões:

       · pode exigir ao promitente o cumprimento da sua obrigação (art. 444.º, n.º 2 CC), o que se entende por ter sido ele a acordar com o promitente a realização da prestação a terceiro e possuir interesse jurídico no seu cumprimento;

       · pode exigir ao promitente a exoneração do promissário de uma dívida perante o terceiro, quando esse seja o conteúdo da promessa;

       · pode exigir ao promitente as prestações ou outras vantagens que lhe possam advir da relação básica (art. 405.º CC);

       · pode dispor do direito à prestação ao terceiro ou de autorizar a sua modificação enquanto a adesão não for manifestada (arts. 446.º, n.º 1 a contrario e 448.º, n.º 1, 1.ª parte CC).



       A lei procura ainda resolver o problema das relações entre o promissário e pessoas estranhas ao negócio (art. 451.º, n.º 1 CC), designadamente para os casos em que a diminuição do património do promissário, gerada pela sua atribuição ao terceiro, não seja legalmente permitida e deva, por isso, ser revertida, como acontece nas hipóteses de colação, imputação ou redução das doações ou impugnação pauliana. Nesses casos, a interposição da prestação do promitente poderia colocar em dúvida qual o valor que se deveria tomar em conta para efeitos dessa restituição: a diminuição patrimonial por parte do promissário ou a efetiva aquisição por parte do terceiro. A lei vem esclarecer que apenas o primeiro desses valores é tomado em consideração para efeitos de aplicação destes institutos. No caso de se verificar a revogação por ingratidão do donatário, é o próprio bem recebido pelo terceiro ou o seu valor, que deve ser objeto de restituição ao promissário (arts. 451.º, n.º 2 e 974.º CC).



       * Posição do promitente

       O promitente tem, fundamentalmente, o dever de prestar ao terceiro beneficiário. Ele assume, pelo contrato, a correspondente prestação (art. 443.º, n.º 1 CC), que lhe pode ser exigida tanto pelo terceiro (art. 444.º, n.º 1 CC) como pelo promissário, se outra não tiver sido a vontade dos contraentes (art. 444.º, n.º 2 CC).

       Caso o promitente não cumpra com o seu dever de prestação principal, a “promessa”, ele pode ser interpelado para cumprir, quando não haja um prazo fixado (art. 777.º, n.º 1 CC), ou ser-lhe feita uma interpelação moratória, se na data aprazada não cumprir (art. 805.º, n.º 1 CC). Seguidamente, se após a interpelação, o promitente continuar a não cumprir, então pode ser-lhe intentada uma interpelação admonitória (art. 808.º, n.º 1 CC), sob pena de haver resolução por incumprimento definitivo, caso não seja respeitado esse prazo admonitório ou o credor perca o interesse na prestação (art. 808.º CC). Pode ainda haver resolução por impossibilidade culposa, nos termos do art. 801.º, n.º 2 CC. Ao invés das interpelações, podem ainda serem intentadas medidas relativas à realização coativa da prestação (art. 817.º a 830.º CC).

       A serem tomadas, estas medidas podem ser intentadas quer pelo promissário, quer pelo terceiro porque ambos são credores do promitente. O promissário porque exerce uma posição própria, mas no interesse do terceiro, salvo quanto a prestações que tenha diretamente direito; e o terceiro porque ao aderir à promessa, adquire uma posição de confiança que deve ser respeitada.



       Contudo, as pretensões que o promitente deve realizar dependem de ter havido, ou não, adesão do terceiro beneficiário. Ora:

       · não havendo adesão, os contraentes podem revogar a promessa (art. 448.º, n.º 1 CC) ou modificá-la (art. 446.º, n.º 1 CC) e, como tal, por maioria de razão, cabe ao promissário concretizar, como entender, o conteúdo potestativo da sua posição;

       · havendo adesão, o terceiro beneficiário consolida a sua posição, podendo exercer as pretensões do credor e passando, a partir daí, a prevalecer sobre o próprio promissário; no entanto, se a “promessa” consistir em exonerar o promissário de uma dívida para com o terceiro (art. 444.º, n.º 3 CC), pode haver uma inversão do regime porque a remissão é contratual (art. 863.º, n.º 1 CC) e o beneficiário é o próprio promissário.



       * Posição do terceiro

       O terceiro é quem adquire, pelo contrato a seu favor, imediatamente, o direito à prestação, independentemente de aceitação. Ou seja, ele não se limita a ser apenas o recetor material da prestação, possuindo face ao promitente um direito de crédito a essa mesma prestação.

       O facto de tanto o terceiro como o promissário poderem exigir do promitente o cumprimento suscitou alguma discussão na doutrina. Para Leite de Campos, estaríamos perante um fenómeno de concorrência funcional entre dois créditos, um próprio do terceiro, e outro do promissário, coadjuvante deste. Já Menezes Leitão segue Teixeira de Sousa, considerando que existe aqui apenas uma única posição jurídica objetiva que permite a aquisição da prestação, que é o direito de crédito de terceiro, independentemente da vinculação subjetiva do promitente ocorrer tanto em relação ao terceiro como ao promissário.

       O terceiro pode, nos termos do art. 447.º, n.º 1 CC:

       · rejeitar (em homenagem ao princípio invito beneficium non datur) mediante declaração ao promitente, devendo este, depois, comunicar ao promissário. Se o promitente faltar culposamente à comunicação, irá ter de responder perante o promissário (art. 447.º, n.º 2 CC); ou

       · aderir mediante declaração ao promitente e ao promissário (art. 447.º, n.º 3 CC); ou

       · nada fazer.

       Ambas as declarações podem ocorrer tacitamente, segundo as regras gerais (art. 217.º CC).



       Havendo rejeição, o direito do terceiro à prestação extingue-se. O que sucede ao dever de prestar, a cargo do promitente? Apesar do silêncio do Código Civil, pela interpretação do contrato concluímos que, à partida, a rejeição do terceiro não exonera o promitente da sua prestação principal, uma vez que ela foi assumida perante o promissário. Como tal, essa prestação passa a caber ao promissário, i.e., o promitente tem agora que prestar ao promissário, exceto se outra coisa resultar da vontade das partes ou da natureza do contrato.

       Por sua vez, havendo adesão, a promessa torna-se irrevogável (art. 448.º, n.º 1 a contrario CC) e firme (art. 446.º, n.º 1 a contrario e a fortiori CC) não podendo haver disposição nem modificação do seu objeto. A adesão não traduz um ingresso do terceiro no contrato nem se destina a permitir ao terceiro a aquisição do direito, uma vez que este é adquirido logo com a celebração do contrato. A sua função é a de consolidar um contrato que, por não ter sido celebrado com o terceiro é, antes dela, instável pois pode, até lá, haver a revogação da promessa.

       Contudo, ainda assim, quando o terceiro manifesta a sua adesão, a promessa pode ainda ser revogada no caso da mesma só dever ser cumprida após a morte do promissário (art. 448.º, n.º 1 CC), ou, se se tratar de uma liberalidade, se se verificarem os pressupostos da revogação por ingratidão do donatário (arts. 450.º, n.º 2 e 970.º CC).



       § 3.º Regimes especiais

       * A promessa de liberação de dívida como falso contrato a favor de terceiro

       É feita uma distinção entre os verdadeiros contratos a favor de terceiro (arts. 443.º e 444.º, nºs 1 e 2 CC) e os falsos contratos a favor de terceiro ou contrato impróprio, de que seria exemplo a promessa de liberação (art. 444.º, n.º 3 CC).

       Estamos, neste caso, perante uma situação em que o promitente e o promissário acordam numa obrigação de resultado: a de que o promitente obterá a extinção de uma dívida que o promissário tenha para com o terceiro.

       Embora o promitente não assuma uma obrigação perante o terceiro, para obter o resultado dessa liberação do promissário, naturalmente que terá que efetuar uma prestação a esse terceiro. Só que essa prestação é meramente instrumental em relação à obrigação do promitente, que é antes a de obter a liberação do promissário. Assim, considera-se que só o promissário tem interesse na promessa. Daí que, qualquer lei considere que as partes não visaram atribuir ao terceiro qualquer direito de crédito, mas apenas proceder à exoneração do promissário, pelo que só o promissário poderá exigir do promitente o cumprimento da promessa.



       * As promessas em benefício de pessoas indeterminadas ou no interesse público

       Uma outra situação consiste na hipótese de a designação do beneficiário da prestação se referir a um conjunto indeterminado de pessoas ou de corresponder mesmo a um interesse público. A especialidade desta hipótese é que temos uma legitimidade difusa para a exigência da prestação e, como tal, o art. 445.º CC permite que tanto o promissário como os seus herdeiros possam reclamar o cumprimento da prestação e confere legitimidade às entidades competentes para defender os interesses em jogo.

       Antes de haver a adesão do terceiro, o contrato é revogável, mas apenas enquanto o promissário for vivo (art. 448.º, n.º 1 CC). Por seu lado, tanto os herdeiros do promissário como as autoridades competentes não podem dispor do direito à prestação nem autorizar qualquer modificação no seu objeto (art. 446.º, n.º 1 CC). Não possuem, como sucede com o terceiro, um direito de crédito à prestação do promitente, mas apenas, à semelhança do que sucede em geral com o promissário (art. 444.º, n.º 2 CC), um mero direito de reclamar a prestação do promitente para o fim estabelecido.

       A haver revogação, esta cabe ao promissário, salvo quando a promessa for feita no interesse de ambos os outorgantes, caso em que depende do consentimento do promitente (art. 448.º, n.º 2 CC). Ora, temos de ter presente a natureza contratual da remissão (art. 863.º, n.º 1 CC), pelo que, a regra será a do mútuo interesse em qualquer contrato – a revogação pressuporá, em regra, o mútuo acordo do promitente e promissário (art. 448.º, n.º 2, 2.ª parte CC).



       * A promessa a cumprir depois da morte do promissário

       A promessa a cumprir depois da morte do promissário é uma exceção ao regime do art. 444.º, n.º 1 CC, uma vez que o terceiro não pode exigir o cumprimento da promessa antes da verificação da morte do promissário. É duvidoso se, neste caso, as partes pretendem atribuir ao terceiro de imediato um direito de crédito sobre o promitente, pois ele apenas se vencerá no momento da morte do promissário, ou se pretendem que o direito de crédito apenas se constitua após a morte do promissário, beneficiando, até lá, o terceiro de apenas uma expectativa jurídica. Teoricamente, a diferença entre as duas soluções é a de que na primeira, caso o terceiro morra antes do promissário, os seus herdeiros sucedem no seu direito sobre o promitente; e no segundo caso, essa sucessão já não se verifica uma vez que o terceiro quando morreu não era titular de qualquer direito que pudesse transmitir aos seus herdeiros.

       Numa posição entre as duas soluções, a lei vem presumir que a estipulação das partes é no sentido de que o terceiro só adquire o direito com a morte do promissário (art. 451.º, n.º 1 CC), mas que, se aquele falecer antes deste, os seus herdeiros são chamados no lugar dele à titularidade da promessa (art. 451.º, n.º 2 CC). A aparente contradição deve ser resolvida através da sua adequada interpretação. É manifesto que se o terceiro não adquire qualquer direito antes da morte do promissário, a aquisição dos herdeiros resulta do próprio contrato a favor de terceiro. O que a lei estabelece são duas regras imperativas: a de que o direito só é atribuído com a morte do promissário, e a de que o promissário designa subsidiariamente como beneficiários os herdeiros do terceiro, no caso deste falecer antes de adquirir esse direito. Qualquer uma destas presunções é ilidível (art. 350.º, n.º 2 CC), através da estipulação de que a celebração do contrato faz adquirir imediatamente o direito, ou através da estipulação de que só o terceiro poderá beneficiar da promessa.

       Outra característica é o facto de a promessa ser sempre revogável enquanto o promissário for vivo, independentemente da aceitação do terceiro (art. 448.º, n.º 1 CC), o que, saliente-se, sucede que o direito já tenha sido adquirido pelo terceiro, quer a aquisição se verifique após a sua morte. A revogação pode ser expressa ou tácita, como sucederá na hipótese de o promissário resolver designar ao promitente outro beneficiário da promessa.



       § 4.º Especificidades

       * Os meios de defesa oponíveis pelo promitente – art. 449.º CC

       Como a posição do terceiro beneficiário está confinada ao que resulte do contrato, o promitente pode opor-lhe os meios de defesa que resultem desse mesmo contrato (por ex.: fundamentos de nulidade ou de anulação, exceção de não cumprimento ou alteração das circunstâncias), mas já não pode usar dos meios que lhe advenham da relação que tenha com o promissário (ex: a que conduza a uma compensação).



       * O papel dos deveres acessórios

       O contrato a favor de terceiro apresenta muitas fragilidades, como por exemplo:

       · o promitente, quando se desempenhe perante o terceiro, não tem, sobre si, a fiscalização da contraparte, o que o pode fazer menos diligente ou até falsificar a conduta a que se encontra adstrito;

       · o promissário, por não ser o destinatário da prestação acordada, pode desinteressar-se dela ou não dispor dos elementos necessários para se assegurar a sua integralidade;

       · o terceiro, não sendo parte no contrato, desconhece os precisos termos envolvidos ficando em inferioridade no momento do cumprimento.

       E estas fragilidades devem ser ultrapassadas através de adequados deveres acessórios, impostos pelo sistema, através da regra da boa fé (art. 762.º, n.º 2 CC). As duas partes e o terceiro ficam envolvidos em deveres de segurança, de lealdade e de informação, daí que: o terceiro deve receber a efetiva prestação acordada; o promitente não pode desencantar o promissário; e o promissário não deve piorar a posição do promitente.

30 de janeiro de 2017

Contrato para pessoa a nomear


Ao celebrar o contrato, pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes do contrato.

Art. 452.º, n.º 1 CC



       O contrato para pessoa a nomear é o contrato celebrado entre duas partes, em que uma delas tem a faculdade de designar um terceiro para ocupar o seu lugar, adquirindo os direitos e assumindo as obrigações resultantes desse contrato. É um caso em que se admite uma dissociação subjetiva entre a pessoa que celebra o contrato e aquela onde se vai repercutir os respetivos efeitos jurídicos. Dá-se um fenómeno de substituição entre o outorgante originário e o nomeado.



       § 1.º Regime geral

       A cláusula para pessoa a nomear pode constar do próprio contrato, exceto se o contrato não previr tal cláusula (art. 452.º, n.º 2 CC) ou de um texto à parte ou subsequente, caso em que terá de revestir a forma exigida para o contrato em si (art. 221.º, n. 2 CC), por procederem as mesmas razões justificativas, e por força da regra incontornável do art. 262.º, n.º 2 CC.

       Para que haja a conclusão do contrato com cláusula para pessoa a nomear, tem de existir, antes de mais, a concordância do amicus (terceiro), isto porque pelas regras gerais do Direito privado de que ninguém pode encabeçar um contrato que não queira e por força do art. 453.º, n.º 2 CC.

       Após a sua concordância, deve ser feita a electio (escolha ou nomeação) do terceiro para ocupar o lugar definitivo no contrato. Para poder produzir os seus efeitos, a nomeação deverá observar determinados requisitos legais. Assim, deve ser feita por escrito ao outro contraente no prazo convencionado, ou na falta de convenção, dentro de 5 dias, a contar da data de celebração do contrato (art. 453.º, n.º 1 CC), e deve ser acompanhada, para ser eficaz, de instrumento de ratificação do contrato ou de procuração anterior à celebração deste (art. 453.º, n.º 2 CC). Se o contrato não indicar outro prazo e mesmo que haja procuração anterior, a nomeação deve ser feita no prazo de 5 dias, sob pena do contrato produzir efeitos perante os contratantes iniciais. Já se se tratar de um contrato-promessa, e de nele se exarar que o definitivo será concluído com o promitente em causa ou com quem ele indicar, a electio já poderá ocorrer, apenas, na celebração do definitivo.

       A nomeação tem como requisito necessário uma atribuição de poderes representativos por parte do nomeado, por forma a garantir a sua vinculação ao contrato, exigindo a lei para o efeito procuração ou ratificação, consoante essa atribuição de poderes representativos ocorra antes ou após a celebração do contrato para pessoa a nomear. Sendo exigida a ratificação, esta deve ser outorgada por escrito (art. 454.º, n.º 1 CC) ou revestir a forma do contrato celebrado, quando este tenha sido celebrado por documento com maior força probatória (art. 454.º, n.º 2 CC).





       Feita a designação e a sua comunicação, o amicus electus (pessoa nomeada) adquire os direitos e assume as obrigações provenientes do contrato concluído a partir da celebração (art. 455.º, n.º 1 CC); ou seja, a nomeação tem, assim, eficácia retroativa. Contudo, se a nomeação não for feita nos termos legais, o negócio consolida-se na esfera do contraente originário (art. 455.º, n.º 2 CC), exceto se as partes acordarem que, em caso algum, o contrato virá a produzir efeitos em relação ao contraente originário. Nessa hipótese, a não verificação da nomeação acarretará a ineficácia do contrato.

       Por fim, o contrato está ainda sujeito a registo (art. 456.º CC), o que não é obstáculo à possibilidade da cláusula para pessoa a nomear apenas ser feita após a conclusão do contrato; nessa hipótese, a introdução dessa cláusula faz-se em nome do contraente originário, com indicação de cláusula para pessoa a nomear, e registando-se a mesma por averbamento a posterior nomeação de terceiro ou ausência dela (arts. 456.º CC e art. 94.º, al. b) do Código Registo Predial).



       § 2.º Natureza jurídica

       A natureza do contrato para pessoa a nomear é controversa na doutrina. Para alguma doutrina existiria um fenómeno de representação anónima. Para outros, tratar-se-ia de um contrato a favor de terceiro. A maioria da doutrina considera-o como um contrato celebrado simultaneamente em nome próprio e em nome alheio, sendo a sua celebração em nome próprio sujeita a uma condição resolutiva, e a sua celebração em nome alheio sujeita a uma condição suspensiva.

     Para Menezes Leitão esta última posição é preferível. A qualificação como representação anónima é duplamente incorreta, em primeiro lugar porque é essencial à representação a existência da conteplatio domini (art. 258.º CC) e, em segundo lugar, porque os efeitos do negócio podem acabar por se repercutir exclusivamente no contraente originário, o que nunca acontece com o representante, mesmo que este atue sem poderes (art. 268.º, n.º 1 CC).

       Enquanto que no contrato a favor de terceiro, o terceiro não é parte no contrato, no contrato para pessoa a nomear vem a sê-lo se a nomeação for efetuada eficazmente (art. 455.º CC).