5 de setembro de 2016

Detenção

Na esteira de Pinto de Albuquerque, a detenção distingue-se da prisão preventiva, na medida em que enquanto esta resulta de decisão judicial interlocutória, aquela resulta de ato de autoridade judiciária, OPC, entidade policial, pessoa comum e deve observar os prazos do art. 254.º CPP, designadamente, 48h para processo sumário, primeiro interrogatório judicial e aplicação de medida de coação, só podendo ser suspensa por estado de sítio (arts. 28.º, n.º 1 e 19.º, n.º 6 CRP), onde não pode ultrapassar 7 dias, ou 24h no caso de apresentação para ato processual perante autoridade judiciária.
Quanto à tempestividade da apresentação do detido ao juiz para primeiro interrogatório judicial, v. art. 141.º CPP.
   › Pinto de Albuquerque: não é inconstitucional a interpretação dos arts. 141.º, n.º 1 e 254.º, al. a) CPP, nos termos do qual o interrogatório se iniciou dentro das 48h, mas a validação judicial foi só 72h depois.

  • Direitos do detido
O detido tem direito a conhecer os motivos da detenção, i.e., os factos concretos que a motivaram, as incriminações que lhe correspondem e as circunstâncias que legalmente fundamentam a detenção (art. 27.º, n.º 4 CRP e 258.º, n.º 1, al. c) CPP), bem como o direito a impugnar os motivos da detenção, comunicar imediatamente com advogado (arts. 260.º e 143.º, n.º 4 CPP), ser constituído arguido (art. 58.º, n.º 1, al. c) CPP) e conhecer os seus direitos (art. 27.º, n.º 4 CRP).
Na esteira do TEDH, o detido não tem direito a ser algemado.

  • Detenção em flagrante delito
Vem prevista nos arts. 255.º e 256.º CPP e tem 3 modalidades:
   ∙ em sentido próprio – o flagrante delito ocorre em qualquer fase de cometimento do crime (atos preparatórios puníveis, prática de atos de execução puníveis, momento da consumação);
   ∙ quase flagrante delito – caso do smokin’ gun;
   ∙ presunção do art. 256.º, n.º 2 – ‘logo após o crime’ e ‘sinais que mostrem claramente’.

NOTA: Em relação aos crimes permanentes, só há flagrante delito enquanto se mantiverem sinais claros de que o crime está a ser cometido; quanto ao crime continuado não há flagrante delito entre as ações; e, no crime habitual não há qualquer especialidade.

Cumpre ainda prestar atenção à matéria referente à detenção fora de flagrante delito e situações onde poderá ocorrer (art. 257.º CPP), aos requisitos do mandado de detenção (art. 258.º CPP), à comunicação da detenção do OPC ao MP (art. 259.º CPP) e à libertação imediata (art. 260.º CPP).

  • Habeas corpus
A providência do habeas corpus é um modo de impugnação de detenções ilegais. Ora, não apenas o juiz pode ordenar detenções, como também o MP, os OPC e até particulares. O recurso é o modo normal de impugnação apenas das decisões judiciais e tem uma certa demora no seu processamento. Assim, a finalidade da providência do habeas corpus é que se cumpra num espaço de tempo muito curto a finalidade da detenção – a apresentação do detido ao juiz para que, cumprida a finalidade da detenção, seja posto cobro à situação de privação ilegal de liberdade.

O fundamento para a providência é a detenção ilegal (art. 31.º CRP), apesar de que não é qualquer ilegalidade da detenção que pode fundamentar a providência, mas só as indicadas nas als. do art. 220.º, n.º 1 CPP, designadamente:
    ∙ al. a) – estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial (art. 254.º, als. a) e b) CPP);
   ∙ al. b) – manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos, independentemente da regularidade da sua feitura;
   ∙ al. c) – a detenção ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente, nomeadamente, toda a privação de liberdade que não resulta de decisão judicial de aplicação de pena, medida de segurança ou prisão preventiva;
   ∙ al. d) – ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei não a permite.

No âmbito da legitimidade, o art. 220.º, n.º 2 CPP reconhece-a ao detido, assim como a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, i.e., com capacidade eleitoral. Por sua vez, a decisão caberá ao juiz de instrução criminal da área em que o arguido se encontrar (art. 220.º, n.º 1).

Na hipótese do art. 254.º, al. b) CPP, a detenção pode ocorrer também na fase de julgamento e de recurso, e tem por finalidade a apresentação ao juiz ou ao MP competentes – aqui, a ilegalidade da detenção pode resultar da demora na apresentação perante o juiz que a ordenou. Contudo, esse será o que analisará o habeas corpus (solução algo confusa).

No requerimento deve constar um requerimento de imediata apresentação ao juiz (art. 220.º, n.º 1 CPP) e, uma vez recebido o requerimento, se o juiz não o considerar manifestamente infundado, ordena a apresentação imediata do detido, sob pena de desobediência qualificada, notificando-se também a entidade que o tiver detido. Se o juiz recusar o requerimento por manifestamente infundado, condena o requerente ao pagamento de uma soma de x UC’s. Do despacho cabe recurso, nos termos gerais.

Medidas cautelares e de polícia

As medidas cautelares e de polícia vêm previstas nos arts. 248.º a 253.º CPP, e podem ser necessárias tanto anteriormente ao processo como durante o desenvolvimento do mesmo.

A comunicação da notícia do crime (art. 248.º), auto de notícia ou denúncia, pelo OPC, deve ocorrer no mais curto prazo possível, i.e., até 10 dias depois de ter sido obtida pela polícia, tendo o OPC pleno domínio sobre a investigação pré-processual durante o período máximo de 10 dias, podendo nesse período realizar todos os atos que entender necessários e urgentes para assegurar os meios de prova. Se não for competente, deve comunicar ao órgão competente no prazo de 24h (art. 10.º, n.º 2 LOIC).
   › Pinto de Albuquerque: defende que este prazo de 10 dias é inconstitucional, pois a CRP é incompatível com ações de prevenção criminal por iniciativa própria do OPC, com recolha de informações por tempo indeterminado, à revelia do controlo direto do MP. Há aqui uma violação do princípio da reserva da vida privada dos visados e do princípio da proporcionalidade, apesar de não ser incompatível com a existência de ações de prevenção criminal realizadas pelo OPC desde que comuniquem o crime logo que no decurso dessas ações tiverem notícia do crime. Mas o prazo de 10 dias não só é desconforme com a CRP, como também é incompatível com outros prazos do CPP para comunicação à autoridade judiciária de atos cautelares, como as 72h da validação da apreensão cautelar, entre outros. Desta forma, para o autor, é incompatível esta zona de ‘semi-clandestinidade’ e, como tal, propõe que o MP desaplique a norma inconstitucional e aplique o ‘prazo mais curto’, i.e., 24h, sendo o sentido da expressão no art. 254.º, n.º 1, al. b), devendo ser analogicamente aplicável este prazo.

De acordo com o art. 248.º, n.º 2, comunica-se a notícia do crime mesmo se for manifestamente infundada, pois o MP é que avalia esse aspeto.

Os OPC devem praticar todos os atos cautelares necessários e urgentes para preservar os meios de prova, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente (art. 249.º, n.º 1). E esses atos de polícia só serão integrados no processo mediante validação da autoridade judiciária competente – o OPC tem competência cautelar própria, competência essa, como já vimos, pré-ordenada para os fins do processo, e podendo ser realizada antes do inquérito, dependendo de uma convalidação que a incorpore no processo. Como tal, aos OPC só estão vedados a prática cautelar e urgente de atos que pertencem à reserva de competência do MP e do JIC (arts. 268.º, 269.º, 270.º, n.º 2 e 290.º, n.º 2), caindo os outros na reserva geral de competência cautelar do art. 248.º.

Nenhum OPC pode determinar cautelarmente a prestação de termo de identidade e residência (TIR) antes de instaurado o inquérito, pois este supõe a existência de um processo, i.e., a medida de coação não pode ser aplicada na fase pré-processual (art. 196.º, n.º 1).

Distinta da competência cautelar está a competência para prevenção criminal que, ao contrário daquela que é exercida com vista à sua futura convalidação por autoridade judiciária e devendo obedecer aos princípios gerais do processo, esta não obedece a tais princípios.

A Lei n.º 101/2001 criou um regime das ações encobertas dentro e fora do PP sob controlo da PJ. A utilização de agentes encobertos (undercover agents ou verdeckter Ermittler) é compatível com o Estado de Direito se forem acauteladas certas garantias mínimas, tratando-se de um método excecional de combate à criminalidade grave. Essa mesma lei esclarece que tem de ser funcionário da investigação criminal ou alguém sob controlo da PJ, agindo voluntariamente; tem de ser crime previsto no art. 7.º, n.º 1 LOIC, crime grave, ou atos ‘adequados’ aos fins de prevenção, nomeadamente, qualquer ato, o menos gravoso, de execução previsto no art. 22.º, n.º 2 CP, omissão ou retardamento de atos do agente, não atuação como provocador.

Desta forma, os OPC podem:
   ∙ proceder à identificação de pessoas (art. 250.º) – poder de identificar o suspeito em local público, ou de o sujeitar a vigilância policial em local aberto ao público são alguns dos poderes cautelares. Pode ser exercido numa fase pré-processual, mas tem natureza processual, i.e., preordenada aos fins do processo.
      › TC: julgou inconstitucional a identificação de uma pessoa insuspeita da prática de quaisquer crimes e em local não frequentado habitualmente por delinquentes, com base em razões de segurança interna. Este preceito estabelece um procedimento legal de identificação de suspeito que se divide em 4 fases:
               ▪ tem de fazer prova da qualidade de OPC ao suspeito, seguida da comunicação ao suspeito das circunstâncias que fundamentam a obrigação de identificação. Após tais diligências, faz-se a identificação do suspeito pelos documentos previstos no art. 250.º, nºs 3 e 5 e a sua condução ao posto mais próximo para identificação, onde pode estar detido até 6h.
               ▪ o reconhecimento da identidade por pessoa que só verbalmente garanta a veracidade dos factos, não terá qualquer valor jurídico, mas também não há nenhuma sanção em caso de mentira (para Pinto de Albuquerque), pelo que o OPC deve evitá-lo.
               ▪ a condução ao posto por detenção só é admissível se a pessoa não tiver sido identificada e, apenas pode estar detida por 6h! (arts. 27.º, n.º 3, al. g) CRP e 250.º, n.º 6 CPP).
               ▪ tem de ser tudo reduzido a auto de identificação e o identificado tem o direito de contactar com uma pessoa da sua confiança desde o início do procedimento de identificação e até sair do posto policial.

   ∙ colheita de informações (art. 250.º, n.º 8) – se a suspeita se mantiver ou confirmar, o OPC pode pedir-lhe ‘informações relativas a um crime e meios de prova’, às quais o suspeito não tem o dever de responder (mas é uma situação complicada porque se ele não exercer esse direito a não auto-incriminar-se, está a auto-incriminar-se). Por seu lado, se a suspeita não se confirmar, a pessoa pode fornecer informações enquanto ‘pessoa susceptível de fornecer informações úteis’. No entanto, permanece a questão: como se compatibiliza o art. 250.º, n.º 8 com o art. 59.º?

   ∙ proceder, por sua iniciativa, a revistas e a buscas, em caso de urgência (art. 251.º), e a buscas domiciliárias, aquando da detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão (art. 174.º, n.º 5, al. c)) – este artigo consagra poderes cautelares do OPC:
               ▪ art. 251.º, n.º 1, al. a) – proceder à revista do suspeito em caso de fuga iminente ou de detenção fora de flagrante delito e a buscas no lugar em que se encontrar, com exceção da busca domiciliária, sempre que tiverem ‘fundada razão para crer’ que neles se ocultam objetos relacionados com crime o crime, (…). No entanto, este artigo não se sobrepõe ao art. 174.º, n.º 5, al. c), porque este abrange o caso de flagrante delito, e aquele, o caso de fuga iminente (p. ex., uma situação em que indivíduos fazem contrabando de tabaco numa oficina e fogem, ficando a oficina aberta e já tendo recebido informações nesse sentido);
                         - art. 177.º, n.º 5 – é um caso especial de revistas a escritório de advogado ou consultório médico, em que o OPC não pode agir sozinho.
               ▪ art. 251.º, n.º 1, al. b) – proceder à revista de pessoas que tenham de participar ou pretendam assistir a qualquer ato processual ou que, na qualidade de suspeitos, se devam dirigir a posto policial, quando houver razões para crer que ocultam armas ou outros objetos.
               ▪ tem de haver sindicância imediata por parte do MP (art. 174.º, n.º 6 ex vi art. 251.º, n.º 2).

   ∙ apreender correspondência (art. 252.º) – atenção que as disposições deste artigo não constituem uma medida de pura prevenção criminal, pois a lei supõe que o crime já foi cometido, ao invés do art. 252.º-A, n.º 3, pois as disposições do art. 252.º não se destinam a evitar um perigo para a vida ou integridade física – os OPC podem ordenar a suspensão da remessa de qualquer correspondência nas estações de correios e de telecomunicações (art. 252.º, n.º 3).

   ∙ localização celular (art. 252.º-A) – a ingerência só poderá ter lugar se os dados forem ‘necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave’. Quando não se trate de processo em curso, a localização celular terá de ser ordenada por despacho do juiz, fundamentado e é recorrível (arts. 97.º, n.º 5 e 399.º).
         › Fátima Mata-Mouros: acha que o n.º 3 é inconstitucional, por violação do art. 34.º, n.º 4 CRP, uma vez que a lei constitucional não prevê ingerências nas telecomunicações com fins de pura prevenção criminal.
 
Em síntese, eles podem proceder à identificação, levar a posto policial e recolher informações do suspeito (art. 250.º, nºs 1 e 8), deter em flagrante delito e mantê-lo detido 48h, proceder à constituição como arguido, recolher informações nos termos do art. 249.º, n.º 2, al. b) (estas pessoas não são testemunhas nem têm qualquer dever de depor, podendo recusar fazê-lo sem ter de invocar nenhum fundamento), acareação, recolher documentos, exames das pessoas, proibir a entrada de pessoas estranhas no local do crime, apreensões, revistas e buscas domiciliárias, revista de suspeito em caso de fuga iminente (art. 127.º), proceder a busca domiciliária entre as 7h e as 21h nos casos do art. 127.º, consentimento documentado e detenção em flagrante delito por crime punível com pena de prisão, proceder a buscas domiciliárias entre as 21h e as 7h com consentimento ou em casos de flagrante delito de crime com pena de prisão superior a 3 anos, apreensões nessas buscas – al. c), entre outras.